quarta-feira, 12 de abril de 2023

no tabuleiro

     E, se te abraço, sinto que o amor existe.

      não esse amor abstrato, tão em voga

      não esse amor que parece estar de folga

      quando a urgência do amor é tão premente.

      Acho que o amor não acontece de repente

     não é como a paixão, um dedo em riste.

     Se me abraça, essa simples ação me outorga

     a fé no amor. Estou presente.

      Mas, quando você se afasta, eu volto à vida

      outra vez no tabuleiro da razão que tanto louvam.

      O homem é só.

      Quando nascemos, começamos a partida

     na qual já sabemos de antemão o lance derradeiro.

      Retorno ao pó.


      Oz

      12. 04.23 


      

quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

Na ilha das impossibilidades

                                               



                                        (ou o desfecho trágico de tantas negativas)


João queria começar de novo mas Maria lhe dizia:

já é tarde joão. agora já não dá. agora não dá mais.

João queria viver poesia mas Maria lhe dizia:

agora já não dá, joão; a poesia morreu.

agora não dá mais.


joão queria comer um ovo mas maria lhe dizia:

agora já não dá joão, o ovo gorou

agora não dá mais...


Ah, maria! Ah maria!


João sempre quis visitar Paris mas mais uma vez maria lhe diz:

agora já não dá joão, agora não dá mais...

Paris nossa é aqui, se quiser, nade, e vá para Mongaguá...


João queria partir para longe mas Maria lhe dizia:

a canoa furou, joão, você não sabe nadar...

agora já não dá, joão, agora não dá mais...


joão já ia correr pra pular da ponte mas maria lhe diz: 

a ponte? a enchente a levou, joão.

agora já não dá. agora não dá mais...


Nessa altura o João quis ir pra lua mas, então, a maria lhe diz:

agora já não dá, joão; o foguete partiu, lotado de lunáticos,

pode ir pro quintal, lá você pode ouvir, lá você pode uivar...

mas agora não dá...


então o João quis comer a Maria mas a maria lhe diz:

agora já não dá, joão, a maria está puta...

agora não dá mais...


Ah, maria! Ah, maria!


João comeu o ovo, joão bebeu cachaça, joão tomou um porre

chegou a maria:   Tome cuidado joão, vai morrer de cirrose...

joão lhe devolveu no colo o ovo que comeu...aquilo que bebeu...

agora já não dá. agora não dá mais...


Nessa mesma tarde, tomado de dor, de raiva e de asco

catou a maria

e a jogou do penhasco...


agora já não dá, agora não dá mais...


Oz.

Quinta-feira. 20 de Janeiro. 2022.

segunda-feira, 1 de novembro de 2021

de uma determinada cor...

 



      Estranho como, de repente, um pequeno detalhe " cor de canela" foi como uma faísca capaz de incendiar meio canavial que são os meus pensamentos, e ainda hoje, aqui e ali, ainda sinto o calor que emana das cinzas que o vento norte não conseguiu levar...

terça-feira, 3 de agosto de 2021

Um ponto que diz tanto, tão distante...

 


      Há muito, ele vagueava por um vale de sombras, o coração contrito, sob um sol frio e um vento cortante, seus pés congelavam ao contato com as pedras. Ele estava arfante, ele estava aflito.

      Por muitas manhãs caminhou sem destino certo e tentava se lembrar de uma canção que ouvia na infância, mas nunca se lembrava, e só balbuciava; até que um dia, também numa manhã, na verdade, era quase meio-dia, pensou avistar ao longe o que parecia ser um jardim, e era, oculto entre as ruínas de um convento abandonado; ele não acreditou, ele ficou extasiado.

      Havia ali caliandras, canela-de-ema, topete de cardeal, marizeiras; orquídeas brotavam em alguns troncos adormecidos por ali...à direita daquele jardim, num canto mais afastado, uma se destacava: uma flor-de-lis; enquanto ele a admirava, as nuvens se abriram e o sol se tornou mais brilhante sobre ele e sobre aquele antigo convento e então se desenhou na sua memória aquela antiga canção e o seu coração se alegrou.

      Sentiu que algo que desconhecia o levara até ali. Até a sua flor-de-liz...


Oz

15.07.2021

 


quinta-feira, 15 de julho de 2021

autômatos

 



O mais assustador é a falta de sentido

a indiferença, o vazio interior, o inimigo

o chamado inaudível, interrompido.


O verão do isolamento é frio e denso

a sombra diz: aqui estou e vos protejo.

A presença do invisível é algo intenso.


A assembleia quedou-se, inerte, muda

o equilíbrio entre a dor e o desejo

desinstalou-se; um hiato imenso.


Não há mais " meu irmão", " meu endereço"

Não há mais " meu reino"; todos despidos 

Vontade, Fé, Razão; meros adereços.


Oz

15.07.2021

sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

trovas para viola

 


Um poema me veio

eu não tinha caneta

uma ideia me tocou

e eu, maneta.

uma ideia fugaz, tão sutil

e busquei abracá-la

ela sorriu pra mim

e fugiu.


Onde ela foi parar ?

onde ela foi parar ?


Uma ideia tão linda, envolvente

numa cabeça má, decadente.

E assim, distraído, eu andei

e entrei num boteco qualquer

e pedi um conhaque e tomei

e me vi no espelho

e me vi tão vermelho

e saí para a rua

prossegui no meu auto de fé.


onde ela foi parar ?

onde ela foi parar ?



Wednesday. september 05. 2019

Oz.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

a alguém que me perguntou por que eu estava * louvando o livro e *descendo a lenha na tv...

 


      A diferença para mim, entre o livro e a televisão é que com o livro há uma espécie de diálogo. Tenho tempo de parar um pouco e refletir naquilo que ele está me dizendo, enquanto isso ele, o livro, se cala. Posso ir preparar um café e deixá-lo lá, quieto, no sofá. Com a tv, uma vez que eu aperto o botão de ligar recebo uma enxurrada tão grande de informações que mal tenho tempo de processar o que me é dito nos primeiros cinco minutos; fica difícil qualquer dúvida, qualquer questionamento, sem falar que logo descubro que tenho necessidades de tantos produtos que ali me são " oferecidos" , necessidades das quais nem suspeitava e logo me vejo a procurar onde deixei o meu cartão de crédito...