domingo, 27 de outubro de 2013

Quadriga





Ante o tropel insano minha razão rasteja

a fome e o espírito em marcha desigual
na vereda nebulosa o homem, o animal
num dilema letal enquanto um deus boceja.

São dois corcéis, dois sentidos distintos

um ruma ao zênite o outro ao perecer
ambos habitando os abismos do ser
estranhos e iguais, sedentos e famintos.

É lento o cavalgar e infinita a estrada

a quadriga da alma é nau desgovernada
o sonho de voar no rés do chão, desfeito.

sombras diuturnas acolhem-nos no leito

árido e vazio e frio e límpido e perfeito.
Não há celebração ao fim dessa jornada.



Oz
26 de outubro de 2013

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Do cotidiano







      Ele via, sentado numa velha cadeira de madeira nos fundos da casa, um fogão de tijolos vermelhos com rodinhas a um canto, via a sua direita musgo no muro de tijolos no lugar onde a água caia da calha do telhado do vizinho, via a velha tv que já não funcionava sobre uma mesinha vermelha de metal, via a sua frente um armário azul também de metal entulhado de papéis  e outras bugigangas, as cordas que serviam de varal cheias de roupas recém- lavadas às suas costas e atrás de si. Ele via que essas coisas davam ao seu mundo uma aparente normalidade mas sentia dentro de si algo um tanto indefinível, era como se tivesse pregado aos seus calcanhares um punhado de latas velhas ou quem sabe carregasse consigo nos bolsos uma granada cujo pino estivesse prestes a se soltar...

      Houve um tempo em que tudo era paz, ou lembrava paz... Naquele tempo tinha três crianças e elas formavam uma pirâmide, um espécie de tripé e isso era (ao menos pra mim ) um ponto de equilíbrio... esse tempo passou, agora é apenas uma tênue imagem flutuando no espelho da memória... 

Do meu pai





      Meu pai morreu há uns vinte anos, não me lembro bem. Numa cidadezinha do interior e lá está enterrado. Coração ou algo assim... Quando éramos pequenos meu pai nos obrigava a acompanhá-lo em todo e qualquer trabalho que ele aceitasse ( e ele aceitava praticamente todos ). Eu era o único que se recusava a fazê-lo e por isso apanhava com muita frequência, e nessas ocasiões encontrava em minha mãe a minha defensora ferrenha. Não sei, mas talvez por isso quando ele morreu não senti tanta falta assim; claro que no dia, ao chegar à casa da minha mãe, ( eu morava e trabalhava na capital na época ) e vi o caixão chorei e tudo mas foi só isso...
      Naquela época eu começava a minha jornada como professor, o que duraria uns bons doze anos...
      (...)