segunda-feira, 6 de agosto de 2012

comentários a respeito de Charlie Wild



          Quando ele desceu da colina envolto em seu manto purpúreo as portas da cidadela estavam escancaradas, havia festa e vinho e nozes e o conselho de ançiãos se reunia na tenda sagrada.
          No longo caminho percorrido Charlie ouviu o canto dos pássaros noturnos, viu o vôo rasante da águia no horizonte, nadou no lago repleto de peixes dourados e azuis.
          Ouviu em tabernas nodosas estórias de crimes e paixões e fugas. Aprendeu a ler as cartas do amor e da morte, deitou-se com mulheres de rima fácil...
          Os frutos do verão trouxeram-lhe alento em tardes moribundas.
         
                           &                             

          O tempo de Charlie Wild

         
          Estando tão somente
          atrás de um grande amor
          o Charlie às vezes sente
          que so lhe resta a dor

          a dor de estar atrás
          de algo impossível
          o mundo lhe desfez
          um todo indivisível.

          Oh, Charlie a tua sina
          é tão triste, cruel...
          cadê tua menina
          passou teu carrosel

          Agora estás ao léu...

          Mas não te abales, Charlie
          teu tempo há de chegar
          então te serás dado
          sorrir, viver, amar...


                                                             

          Na sua chegada Charlie Wild desvendou-lhes o mistério da fonte; estupefatos, ouviram e não creram e não quiseram acreditar no que lhes era revelado e Charlie Wild foi escorraçado, abandonado, banido. Tal mistério jamais poderia ter sido desvendado; não àqueles daquela època.

         Agora as portas da cidadela estavam fechadas e junto aos muros acinzentados mulheres e cães disputavam as carcaças de animais mortos, putrefatos.

          Onde antes um campo de trigo agora um deserto onde lagartos e cactus reproduzem-se ininterruptamente numa noite infinda...

         Oz
         Julho de 2012    


sábado, 4 de agosto de 2012

Por enquanto

                                                   1

          Temporariamente adormecida está a minha esperança, mas sei que em algum lugar alguém está neste momento preparando o terreno para um novo plantio e após a chuva redentora a semente germinará e então haverá uma nova colheita.

          Temporariamene inertes estão os meus passos. Permaneço inerte sob um céu de chumbo. Meus olhos divisam ao longe uma caravana e esta passa ao largo, eu emudecido.

          Um canto desarmônico fere-me os ouvidos.
          Tempo de pregações corruptas, do verbo encurralado em laços profanos... 



           
                                                       2                                                                                                                      



            Confissões de Charlie Wild

            A droga é que não posso sentir o que sinto
            preso ás amarras das convenções mundanas
            vítima e  farol das paixões humanas
            estilhaçado eu sou meu labirinto.

            Paciente ergo o meu cadafalso
            ante uma platéia indiferente
            à sombra de um deus onipresente
            rivais a esperar um passo em falso.

           Na curva destes dias conturbados
           olho ao redor e sinto o silêncio
           dias passados em melancolia.

           Atroz herança de um futuro imenso
           mas habitante da tenda do passado,
           o resto é fenecer numa moldura fria.



( O medo, a ignorância e a inércia que grassavam ao redor eram-lhe estímulos e ele avançava entre os escombros fumegantes da retidão e da decência. )



Oz
Uma madrugada de angústia de 2012.  
                                                                                                                                                                                                            

Um dia quase feliz

          Ontem eu conheci uma pessoa...
          Alguém que, com maestria rara e mão firme faz dos invisíveis fios cotidianos no quadro da memória / esquecimento a bem urdida tecitura do mundo.
          Nos textos que li senti a presença de alguém com um olhar vivaz,  afetuoso e cáustico ( ao mesmo tempo ), alguém de mente insone e espírito inquieto e lúcido.


          Tânger já não há...

          O retorno se mostra impossível e estamos perdidos numa nau de horror e caos.
          Se antes a luz lunar e um pouco de conhaque nos deixavam comovidos como o diabo agora nos envolvemos no manto áspero da desilusão e da indiferença.

          Sentir é saborear.

          Talvez tenhamos, cada um de nós,  um pouco de Sísifo, talvez mais do que possamos imaginar. Quem sabe a cada dia, a cada hora, a cada momento a pedra que pensamos ter depositado no cume da montanha não seja, de fato, o bote no qual procuramos nos equilibrar neste caudaloso Estige cotidiano, Carontes sem óbulos nem remos...





Oz
Junho de 2011