sexta-feira, 26 de abril de 2019

Catia Fish ( cont. ) 2




(...)
e os pulsos de Catia tingiram de vermelho
o cinza da manhã
a polpa da romã
o verde do divã
a sombra no espelho
que sussurrava: Catia
(...)
Na verdade, Catia
tuas atitudes
todas as tuas falas
teu sentimentalismo
teus tiques e tal
estavam previstos
eram combinados
era o teu papel
num roteiro fatal

E é tudo tão normal...

( Antigos moradores do bairro dizem que a A COVIL nunca mais abriu as portas; dizem que nas madrugadas de abril se ouve, lá onde agora é um imenso galpão abandonado, umas músicas numa voz estranha, aquarela, mulheres de Atenas, entre outras...dizem que elas vem numa voz de peixe...)


Oz
madrugada de 21 de Abril de 2019








Catia Fish. (cont. ) 1


(...)
Na terceira noite
num final de abril
um frio congelante
e todos de porre
um show tão perverso
um ingresso tão caro 
a plateia que dorme
enquanto você morre.

E é tudo tão lindo
é tudo tão nobre
é tudo tão humano
e a plateia que dorme
enquanto cai o pano.

foi na terceira noite
assim é que é a vida
a Catia foi currada
a Catia foi comida.

E ela não  esquece 
seu peixinho amarelo
que foi subtraído
por sua amiga Cida

Mas,,,onde andará Cida ?!

Catia voltou a ir às missas no Campo de Marte...

Quando deu sexta-feira
Catia não dançou
Catia não cantou
e deu sexta-feira
e não comeram Catia,

e o sábado veio
e a A COVIL lotada
a alcatéia à espera
e nada de Catia,

e o domingo veio
a turba impaciente
e o palco vazio 
vazia a alcova
e todos sem recreio
o brinquedo não veio.

E, na segunda-feira despediram Catia
sem aviso prévio.







pequena canção singela para Cátia Fish.





Ei Catia,  

se você encontrar na noite opulenta
tachinhas de cobre sobre o seu colchão
não peça socorro !
não chame a gerente !
não vista a sua roupa ! 
não se assuste não !

E, se você for, quando interrogada, instada a dizer que havia um plano

para te ferir
negue tudo Catia
esconda as feridas
vista a sua roupa
e fuja dali !

(...) assim, um dia Catia acabou tomando um ônibus para Paris

Cida trazendo consigo um balaio de sonhos inúteis, estéreis...

Na primeira noite Catia viu as luzes dos outdoors

da sua janela no Hotel Langlois

Catia até se esqueceu que viera com cida

que descera com Cida
mas,,, onde estava Cida ?!

Ficou combinado:

De sexta aos domingos
Catia era a rainha  
numa casa de Shows
chamada O COVIL.
Ao subir no palco na primeira noite
Catia não sabia que logo haveria
lobos por ali.

e Catia cantou baixinho, a Aquarela

e Catia dançou ao som dos tambores
e , ao som dos aplausos, ela chora e sorri
e logo acreditou na sua boa estrela
e quis que o peixinho estivesse ali...

( ah, não falei do peixinho..)


Numa manhã de abril, depois de uma tempestade Catia encontrou à porta do seu quarto

um pequeno aquário com um peixe amarelo
Catia amou aquilo e chora e sorri
e ela pensou :
porque eu não sou este peixinho amarelo ?!
A partir dali Catia passou a trabalhar depressa
com estivadores, juízes, papais
ela só pensava em retornar ao seu quarto
e conversar longamente com o seu peixinho amarelo.

O que eles conversaram ?!

nunca se soube ao certo..

(...)


Não chore não, Catia

é parte do roteiro
é uma função da arte.

Numa manhã de março, às vésperas de abril

uns sinos dobravam à distancia, no campo de Marte
e isso a Catia ouviu
naquela manhã ela buscou o confessionário.

O que ela confessou ?!

também nunca se soube..

Numa certa manhã alguém bateu á porta e quando Catia abriu

viu que era a sua amiga Cida.
A Cida apareceu
O Sena abraça o aquário
A Cida acena ao peixe
O peixe olha e ri...

***pequeno diálogo.

Cida : adorei o seu peixe amarelo
Catia: meu peixinho amarelo é a minha vida; é o meu amor..
Cida: Tome cuidado minha querida amiga, não se apegue tanto a algo que desliza
isso pode te causar muita dor...
e deslizava suavemente as mãos no rosto da amiga enternecida..

Catia não entendeu, mas estava feliz...naquela noite, após planos de sonhos e conquistas, como dois anjos barrocos, elas dividiram o vinho e o leito até que a voz incandescente do peixinho amarelo as despertou.


Oh, Catia não chores 

pois a manhã já vem

Catia é pertencente à linhagem de fêmeas, que, ao longo dos séculos, não se deixam domar

Catia jamais seria uma mulher de Atenas..
o que ela sempre quis foi se deixar amar.

É tão triste, Catia

é até de dar pena
mas é parte do roteiro
fundamental pra cena.

Na segunda noite

Catia bebeu vinho
Catia ouviu Strauss
Catia comeu pizza.

Ei, Catia, chore não mulher

isso vai borrar tua maquiagem
se está com saudade, se você quiser
posso devolver a tua passagem..

mas aqui é tão lindo, Catia

precisa de ver...

(...)


Numa manhã cinzenta e fria de dezembro

ao chegar ao quarto ela não encontrou 
o peixinho amarelo
nem aquário, nem nada.
Cátia ficou doente e  Hades consultou 
pela primeira vez.
Cátia pôs cartazes nos postes da rua
nos muros do castelo
na porta da igreja
mas ninguém sabia
ninguém tinha visto o peixinho amarelo.
o tempo passou 
a folhinha mostrava meados de abril
e ela buscou a paz, o consolo
nos palcos d'A COVIL

mas nada adiantou...













quarta-feira, 24 de abril de 2019

Fragmentos perdidos ( ou quase )



      Eu gostaria que, aqui na casa, houvesse um dia tão silencioso que cada morador, cada ser humano, cada um de nós pudesse ouvir e sentir o voo das muriçocas, das moscas e dos garfos, o riso das lagartixas de parede (aquelas branquinhas das quais tem medo, oh, criatura) e mais, a verdade oculta no falatório constante com o qual tentamos justificar atitudes, e gestos e pensares um tanto "conhecidos".
      Queria que tal silêncio fosse tão profundo quanto o olhar daquele garoto que te observava  enquanto  lanchavas no Smilinguido. Nesse momento, nesse dia, nesse dia que pareceria eterno, (é certo), a casa "pareceria" tão leve, tão límpida, tão transparente, que levitaria, chamado a atenção dos transeuntes, por mais apressados que estivessem. Nesse dia ninguém faria café, nem almoço, nem jantar, todos estariam ocupados fazendo um imensa fogueira lá fora em redor da qual dançariam durante toda a noite. Tudo o mais pareceria (e seria) supérfluo, distante, vulgar, perto do estado de beatitude alcançado.
       É verdade que muitos fugiriam se achando loucos, outros se beliscariam acreditando estarem sonhando, mas alguns aproveitariam a oportunidade para conhecer seus outros Eus, dialogar com o próximo e abraçar deus;  tudo isso sem uma única palavra: elas seriam desnecessárias. Tudo seria dito no silêncio do riso, do olhar e do corpo.
        Enquanto isso, eu, na minha ingênua e pretensiosa esperança, penetraria sutilmente pelas frestas dos teus olhares, buscando aí um pouco de mim, do meu medo que não é escada, da minha morte que ainda não é ponte e da minha utopia que ainda respira.



                                                                                           

Oz
CEU 3 . 
28.02.96