quarta-feira, 24 de abril de 2019

Fragmentos perdidos ( ou quase )



      Eu gostaria que, aqui na casa, houvesse um dia tão silencioso que cada morador, cada ser humano, cada um de nós pudesse ouvir e sentir o voo das muriçocas, das moscas e dos garfos, o riso das lagartixas de parede (aquelas branquinhas das quais tem medo, oh, criatura) e mais, a verdade oculta no falatório constante com o qual tentamos justificar atitudes, e gestos e pensares um tanto "conhecidos".
      Queria que tal silêncio fosse tão profundo quanto o olhar daquele garoto que te observava  enquanto  lanchavas no Smilinguido. Nesse momento, nesse dia, nesse dia que pareceria eterno, (é certo), a casa "pareceria" tão leve, tão límpida, tão transparente, que levitaria, chamado a atenção dos transeuntes, por mais apressados que estivessem. Nesse dia ninguém faria café, nem almoço, nem jantar, todos estariam ocupados fazendo um imensa fogueira lá fora em redor da qual dançariam durante toda a noite. Tudo o mais pareceria (e seria) supérfluo, distante, vulgar, perto do estado de beatitude alcançado.
       É verdade que muitos fugiriam se achando loucos, outros se beliscariam acreditando estarem sonhando, mas alguns aproveitariam a oportunidade para conhecer seus outros Eus, dialogar com o próximo e abraçar deus;  tudo isso sem uma única palavra: elas seriam desnecessárias. Tudo seria dito no silêncio do riso, do olhar e do corpo.
        Enquanto isso, eu, na minha ingênua e pretensiosa esperança, penetraria sutilmente pelas frestas dos teus olhares, buscando aí um pouco de mim, do meu medo que não é escada, da minha morte que ainda não é ponte e da minha utopia que ainda respira.



                                                                                           

Oz
CEU 3 . 
28.02.96



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