sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

partida





buscar o enlace fatal
perder-se ao encontro de si
rumar ao embate final.

olhar e permanecer cego
andar em círculos, a esmo
adotar o rito que renego

ser só, sozinho, só, sem completude
eterna busca, infrutífero ser
cortejar, insano, a infinitude

mergulhado num mundo inaudível
entorpecido numa nau insana
num corpo frágil e numa dor terrível


Oz
19.12.2013


Quien tú menos imaginas te dá una pequeña demonstración de cariño e respeto...
Despierta!!!


domingo, 27 de outubro de 2013

Quadriga





Ante o tropel insano minha razão rasteja

a fome e o espírito em marcha desigual
na vereda nebulosa o homem, o animal
num dilema letal enquanto um deus boceja.

São dois corcéis, dois sentidos distintos

um ruma ao zênite o outro ao perecer
ambos habitando os abismos do ser
estranhos e iguais, sedentos e famintos.

É lento o cavalgar e infinita a estrada

a quadriga da alma é nau desgovernada
o sonho de voar no rés do chão, desfeito.

sombras diuturnas acolhem-nos no leito

árido e vazio e frio e límpido e perfeito.
Não há celebração ao fim dessa jornada.



Oz
26 de outubro de 2013

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Do cotidiano







      Ele via, sentado numa velha cadeira de madeira nos fundos da casa, um fogão de tijolos vermelhos com rodinhas a um canto, via a sua direita musgo no muro de tijolos no lugar onde a água caia da calha do telhado do vizinho, via a velha tv que já não funcionava sobre uma mesinha vermelha de metal, via a sua frente um armário azul também de metal entulhado de papéis  e outras bugigangas, as cordas que serviam de varal cheias de roupas recém- lavadas às suas costas e atrás de si. Ele via que essas coisas davam ao seu mundo uma aparente normalidade mas sentia dentro de si algo um tanto indefinível, era como se tivesse pregado aos seus calcanhares um punhado de latas velhas ou quem sabe carregasse consigo nos bolsos uma granada cujo pino estivesse prestes a se soltar...

      Houve um tempo em que tudo era paz, ou lembrava paz... Naquele tempo tinha três crianças e elas formavam uma pirâmide, um espécie de tripé e isso era (ao menos pra mim ) um ponto de equilíbrio... esse tempo passou, agora é apenas uma tênue imagem flutuando no espelho da memória... 

Do meu pai





      Meu pai morreu há uns vinte anos, não me lembro bem. Numa cidadezinha do interior e lá está enterrado. Coração ou algo assim... Quando éramos pequenos meu pai nos obrigava a acompanhá-lo em todo e qualquer trabalho que ele aceitasse ( e ele aceitava praticamente todos ). Eu era o único que se recusava a fazê-lo e por isso apanhava com muita frequência, e nessas ocasiões encontrava em minha mãe a minha defensora ferrenha. Não sei, mas talvez por isso quando ele morreu não senti tanta falta assim; claro que no dia, ao chegar à casa da minha mãe, ( eu morava e trabalhava na capital na época ) e vi o caixão chorei e tudo mas foi só isso...
      Naquela época eu começava a minha jornada como professor, o que duraria uns bons doze anos...
      (...)

domingo, 29 de setembro de 2013

De galeões e amigos...

 






   Talvez teu coração não seja mais que um galeão arruinado pelo tempo, teus pensamentos tortos, 

tripulantes no porto da ilusão...


      Talvez tu sejas tão somente uma sentinela adormecida, um desertor do teu pôsto, um corsário 


febril, amedrontado, insano...


  

 " Os tigres da ira são mais sábios que os cavalos da instrução."


   

     OZ

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Sobre a Meg

          Esta é a Meg, pequena cadela que teve o rabo cortado quando ainda bebê, digo, bebê cadela. Um vizinho dono de um bar nos deu ela. A raça ? ninguém sabe ao certo; tem uma orelha caída e a outra levantada o que lhe dá um ar indolente, de cachorra vadia. Mas a danadinha de uns tempos para cá anda latindo como o diabo, um latido agudo que dá nos nervos da gente. Agora anda implicada com uns pombos que pousam as centenas em tudo por aqui, a carinha pra cima corre pra lá e pra cá. Ah, sim, e se alguém entra na cozinha e mexe com uma dessas sacolinhas plásticas que embrulham compras de supermercados aí sim pode saber que ela vai estar por perto pulando umas oito vezes a sua própria altura.
          As vezes a gente percebe a Meg dando voltas rosnando baixinho e olhando pra cima pra alguma coisa que ninguém consegue ver. Se alguém se aproxima do portão e ela o nota, dispara como um cometa enfurecido e nós somos avisados de imediato. Também é valente como uma oncinha e se tem a chance de ir para a rua e passa algum cachorro, não importa se tem umas quinze vezes o seu tamanho, ela parte pra cima e se a gente não a segura a tragédia está feita e depois íamos ter de ajuntar os cacos do cachorro no asfalto...

          Pois é, esta é a Meg, uma cachorrinha fora de série!!!




Oz
Julho de 2013

sábado, 1 de junho de 2013

comentário 1




      Um dia desses tentei encontrar Tolstói na gare de Astápovo. Em vão. Por mais que gritasse pelo seu nome. Depois de um tempo,  a ponto de ir-me embora alguém se aproximou e disse-me: __ Ele sentiu sede e foi beber água num lago aqui próximo.
      Fui ao tal lago e mesmo assim não o vi; Voltei desapontado, desolado para casa.
      Tempos depois soube que ele realmente lá estivera, só que mergulhava para beber a água do fundo do lago, há muito não bebia a água da superfície.
      Aí eu comecei a entender...


Oz

Em curso




o intangível há muito foi tocado
o intragável é o pão diário
o inominável já foi nomeado.

o desconhecido já não tem segredos
a trilha incerta se tornou atalho
a indesejável já não mete medo.

foi concebido o inconcebível
o inesquecível já não é lembrado
quem foi à lona era invencível

os emudecidos farão o discurso
o texto escrito já foi compilado
todo o processo já está em curso.


Oz
31.05.2013

sábado, 4 de maio de 2013

Notícias para um amigo interno




Estou vivo e vida é chuva que não cessa
caça acuada que luta, que resiste
um corpo que, mesmo sob a rocha, insiste
em se mover, em adentrar a festa.

A vida é festa, viver é estar presente
o abismo que atrai o corpo em livre queda
o boi que o parasita em si hospeda
Viver !!! de lucidez é estar demente.

Não sei ! e isto basta por enquanto
e, sem saber, persigo a tempestade
em cada olhar, no eterno do momento;

& vejo em ti, no teu viver corsário e santo
um lago onde pousa a lealdade.
viver talvez seja cortejar o esquecimento...

Oz
Dezembro de 1997

Dell mio sinistro




Devia estar sempre à espreita ou quase
devia sempre ser um passageiro
mas creio ter sido um dia um timoneiro
no meio desta estranha tempestade.

mas o meu beco é sempre sem saída

meu olho esquerdo está sempre de férias
mas vê que em meio ao luxo há misérias
e em meio a tantas mortes ainda há vida

avesso ao tempo labutando a lida

mirando a vida destoante de tudo
as pernas curtas a estrada comprida
canto soluço e permaneço mudo

o meu boteco está sempre fechado

e o meu peito já não tem guarida

o meu cabelo está sempre espetado

e o meu beco é sempre sem saída

as minhas mãos estão sempre à espera

braços um tanto abertos, espantalho 
os meus pés sempre buscando um atalho
meu peito inflado de tantas quimeras

E se amanhã eu estiver dormindo

olho esquerdo e direito fechados
e aparente eu estiver parado
é puro blefe, estarei partindo.


Oz
Agosto de 2006

Camila




Camila é um pequeno pássaro
Camila é um pequeno peixe
Camila é um anjo terrestre

Camila voa
Camila nada
Camila flutua na minha tenda em farrapos.

Oz

Charlie, Clarice e os girassóis




                                                                                                " Sem endereço a alma acaba louca "1*


           E Charlie pensa: Onde andarás Clarice, que um dia, talvez numa madrugada insone fez ressurgir neste velho timoneiro a lembrança de uma terra distante ?
     
      Percorre um jardim decrépito, abandonado, da sua pequena aldeia e em cada banco surge a figura de uma fêmea que pensa ser ela mas quando se aproxima vê que não há ninguém era apenas outra miragem, então acende um outro cigarro.
     
    "mil vezes sem ti eu remo para mais adiante"2*
     
    Onde andarás Clarice ? seria ela um peixe que agora se esconde entre corais de alguma baia remota ? Um pássaro? às vezes no silencio da tarde Charlie sente próximo a ti um rufar de asas e logo pensa : minha mente se tornou uma nau desgovernada...
     
    De todo modo continua a percorrer um caminho incorrigível e tortuoso e mesmo só com seus antagonismos prossegue pensando ter Yeats e Plotino como amigos.
    
    Seu credo, seu verbo, seu chicote.
    
   Clarice o faz divagar e busca meios de se despir de uma fantasia de amor primária : uma mulher que o carregue envolto em lençóis lúcidos por um bosque de bétulas até a fonte sagrada de Aquárius onde ela encantadoramente cálida e triunfante e faminta assina com sangue um caderno de poemas de amor e medo.
    
   Charlie, Charlie Charlie...
     
   Que mistérios habitam o coração desse homem que vaga por uma vida febril e insone ?
     
   Clarice lhe ensinou que existe o amor e existe Thánatos, existe o ser e existe a esfinge. Ambos expulsos de Delfos...
     
  Clarice lhe guiou por labirintos de luzes e trevas, de reconhecimento e estranhamento, de turbulência e paz.
     
   È certo que os dias de encantamento ficaram para trás e ela agora é inquilina de uma senda imaginária...




Oz
Maio de 2013
00:35 hs

1*2*-PMCampos.






sexta-feira, 3 de maio de 2013

Vista de uma sacada




O pintor daltônico envolto em sombras lúdicas tateava na diáfana parede dos tempos em busca de quadros flutuantes em faces fáceis, no tecer preciso dos aracnídeos, no invisível voo das aves.

Seus olhos projetavam pinceladas e lembranças em depósitos de cinzas e outros arcanos.
Um coração indigente quase que inerte num salão repleto de pálidos fantasmas.

Agora está morto na sala deserta.

Deuses palhaços leves coloridos
pássaros de plástico, tariscas e mistérios
sobrevoavam lindamente o quadro surreal
e eu assistia a tudo pela janela aberta.

Sou o menino da rua 1104
aquele da sacada marginal
o único cúmplice de um viver incauto e belo.

Daria a minha manhã mais bonita
pela certeza de ter apenas sonhado que o criador de voos vadios recolheu os pincéis
e partiu em silencio...

Agora está morto na sala deserta...


Oz
Set. 94

* Fato presenciado pelo autor quando criança em B.H

brincares




Um berro ganhou a rua

partiu do escuro do quarto
quarto crescente da lua

Um abraço, depois eu parto


Um beijo oculto na sua

pele quente, odor de relva
animal livre na selva
tentação: sua alma nua.

Um jogo: o verbo solto

transformado em nosso fardo
jangada num mar revolto...

de repente o louco dardo

desnudou o corpo envolto
desde então em ti me ardo...


Oz
Outubro de 98

Pacto com ela




Quero abraçar o verbo que desnude a morte
e caminhar com ele aprendendo a viver
e com ele criar caminhos multiformes
nos primeiros raios o início do ser.

 beijar a face da passagem ao  desconhecido
soprar nos seus ouvidos segredos de outros sonhos
o voo rasante das gaivotas na pele do oceano
o espocar das bombas nos tímpanos urbanos

conhecer um dia de forma transparente
o encanto de estar em companhia constante
e, a cada olhar, eu possa por  instantes
sentir a existência qual fogueira ardente.

Ao copular com a morte acender os sentidos
provar que a mesma é mais que um sol se pondo
senti - la um fruto desnudo
ser devorado pela ânsia de viver
abraçar a morte como se abraça a vida
um novo sincretismo, um novo amanhecer.


Desmitificar a dor da despedida e , nas estações de embarque, no último adeus, deixar cair no solo sementes do seu riso.


Oz
31.01.1991

sexta-feira, 26 de abril de 2013

arcadismo



Longos caminhos percorridos 

entre olhares, beijos e perdas
entre pássaros 
e jardins novos...

Um garoto chama por seu pai

uma menina chora na janela 
atrás da cortina
e espera...

dez anos se passaram 

longos anos
o garoto se torna homem
e, na janela, uma menina-mulher 
uma cortina
e o sol da tarde
espera...

Voa um pássaro

pousa no galho seco
no jardim
A casa no alto da montanha está silenciosa 
um trem passa barulhento
pessoas à janela do trem 
e a mulher à janela da casa 
espera.
Vinte anos se passaram
vinte anos...

o homem não mais chama por seu pai

tem os olhos fundos 
e observa o trem que se afasta  
e também  se afasta.
A mulher à janela é uma sombra imóvel 
e não mais chora
as lágrimas secaram 
como as árvores.

trinta anos se passaram 

trinta anos 
quantos trens passaram por ali?
quantos pássaros?
quantas tardes à espera?
Um cadáver à janela
sobre o assoalho empoeirado da casa 
a cortina balança suavemente
na suave brisa da tarde.
Um sino soa à distância 
tangido talvês pelo vento forte das planícies 
talvés anunciando novas tardes
Um trem passa 
seu apito monótono corta o silêncio dos dias...

Quarenta anos se passaram 

não há mais trem 
e nem pessoas à janela 
e nem pássaros 
e nem homem 
e a casa é so escombros
e nem nada...


Oz
94 

                               

sexta-feira, 19 de abril de 2013

E...




Mudou em mim o meu pensar em ti

prisioneiro de um desejo intenso e insano
habitante flutuante do devir...


Oz

quinta-feira, 21 de março de 2013

Por que não estás por perto?!



Tamanha a sede
e o poço, inexistente
Tamanho frio
teu corpo quente ausente
o corpo louco
envolto em tempestasde
te quero amor
me quer só amizade
a sombra muda
é presa do silêncio
(...)






 

revisitando lápides

O que restou senão  o cortejo, o delírio e a dor calada?

No quarto, na penumbra, uma prostituta insone embala um filho louco.
Nos umbrais da noite indigesta se faz ouvir os uivos dos lunáticos.

Disforme presença se aproxima da cabana silenciosa; um cortejo espectral faz estremecer o hóspede na estrebaria.

Da desesperança, o nosso tempo parece mais uma metáfora sibilina.

                                               
                                                   (...)



E que haja uma luz redentora na noite densa do medo pois o  homem prossegue, imperturbável, sereno, no seu combate feroz e letal.

E que haja um abrigo  para aqueles que vagam no labirinto desses dias pétreos e um pequeno farol a guiar os pequenos que chegarem durante o inverno tempestuoso.

E que haja uma fogueira inextinguível e perene no meio do dia. 


Oz

março de 2013

Ao meio-dia


O que restou senão a lembrança, a febre insinuante e a solidão?!


Não restou mais nada a não ser o delírio, a sombra do cortejo

e a dor calada...

Oz
03:42 hs
22.12.2012