quinta-feira, 15 de setembro de 2011

caos

1
Habitante da terra onde pousa o relâmpago e de uma língua crepitante e sápida.
Teu coração: um charque pendurado num quarto oculto da lua.
Teu destino: um cavalo-marinho no deserto.

Teus desejos: orgasmos revestidos de conchas que se abrem para um campo inabitado, flamejante e explêndido.

Espírito de um xamã que tombou na última batalha no período glacial.
Um ritual milenar ressuscitará antigas canções e dirão: "pela vida nenhuma ousadia é fatal" .


2

Ao mandar cortar uma mangueira e um abacateiro aqui onde moro alguém logo me disse: " não faça isso, pois surgirá uma pereba dendulote "
No ar restou a muda censura dos pássaros ante um gesto prenhe de estilhaços.
Temos de recomeçar a semear e, no entanto, temos nos empenhado em cultivar desertos e depois quedamos em nos contemplar, bestificados, no espelho da aridez.

3

Penso na lendária luta que houve em 1974 na Àfrica, Zaire.
Muhammad Ali X George Foreman.
E depois se espalharia que a multidão gritava: " Ali, boma ye! Ali, boma ye, Ali " algo como " acabe com ele, Ali, acabe com ele!!! "
Eh, o tempo, amigo, o tempo...

4

" As jactâncias da heráldica,
a pompa do poder, e tudo que a beleza, tudo que a riqueza jamais deu esperam igualmente a hora inevitável: os caminhos da glória levam apenas à sepultura. "


" Elegia escrita no pátio de uma igreja do interior - Gray- nona estrofe "



Oz

terça-feira, 13 de setembro de 2011

dos dardos


Não sei se agora ou quando
talvez seja amanhã
nunca sabemos ao certo.

Com tantos desenganos
a vida e o seu afã
espelha os nossos gestos.

Se alguém atira um dardo
no corpo da razão
o toque é inaudível.

À todos os pecados
há a fonte do perdão...
e o tempo, indivisível.


Oz
13.09.2011

Non riesco dimenticare...

mais do mesmo ?!


Lá fora, a fúria insana
a sede, a dor das horas
Cá dentro, alcovas nuas
Pã junto à aurora...
Lá fora, os espartanos
e uma mente insone
cavalo ôco
Cá dentro, tantos troianos
de tudo um pouco...


&

Clarice partiu. ( já o disse antes ) eu sei..
Na sala paira docemente a sua tristeza gris e o riso singular.

Na penumbra da sala
no silêncio
no riso quase inaudível de Clarice há algo que lembra velhas catedrais em Praga..

Clarice saiu e permanece aqui em mim.
Enquanto isso Macabéa estende roupas no varal e cantarola uma cantiga de amor perdido.
Lá fora...

&

Não há nada além da eternidade púrpura.
Pára! Vê!
À sombra, teus fantasmas
a lembrança
a tarde rósea.
Nada além do teu silêncio
e os sinos que ecoam
e a eternidade...
À distância, um rumor de um rubro córrego
nos fundos de uma cabana inexistente.

È longa a espera do sol
e cortante a lâmina da memória.

Leve é o salto
fugaz a lembrança
longo e suave o esquecimento...



Oz
(um dia qualquer de 2005)

Alan, o garoto Nietzschiano; Wall, a face etílica do ser; Naná, a menina do quarto 15; Ramos, que sabia os caminhos ( e escaninhos); Plácido, da Tubaína entre tantos outros, como lhes devo...

às vezes


Às vezes a vejo
radiante mágica
às vezes a desejo
sob o sol, no cais
o teu corpo lúcido
sápido, faminto
fonte, labirinto
dos meus tantos ais...

Ninfa primitiva
às vezes a sinto
lenda, quase tímida
fonte de corais

invisível, cálida
tão quieta, pálida
doce absinto
branco vinho tinto...

Teus olhos fechados
tua indiferença
meu desejo alado
minha dor imensa...

Às vezes a vejo
estranho mosaico
um amor prosaico
tempos não normais...


Às vezes desperto
vendo um mundo insano
ninguém sabe ao certo
se somos "humanos"...



Oz
Maio 2011

terça-feira, 6 de setembro de 2011

pois ia sem àlibi


O jovem camponês jamais pôde partir no seu trem imaginário de desejo e fica e olha e visita, olhos fechados, velhos castelos da transivânia, ceia com czarinas russas, banha-se no Tejo.
O jovem camponês campeia palavras no vasto campo silencioso da manhã para ilustrar o seu cotidiano e aquecer a sua esperança irmã.

Camaleônicas palavras entregues numa luta infinda na fronteira dos lábios, de aljavas vestidas, quase humanas.
Camaleônicos risos.
Thánatos, Dionísio
Ventos, vendavais.
Linhas retilíneas
Curvas infinitas
em silêncio transam e sempre querem mais...

Pois ia
vender a morte calada no fundo da noite
por nada
sem norte
a caminho
alvo de olhares
mas não da sorte.
Pois ia num corredor infinito
abrindo portas
aos gritos.

O mundo, um carrinho de bebê desgovernado.

pois ia
um acidente na auto-estrada
onde ninguém bateu em nada.

Amar talvez o vôo de um pássaro empalhado
numa tarde de estiagem

O acaso me habita
inquilino a matar moscas
no silêncio de horas mistas.

Rir se mim mesmo ?!
não tenho graça
como diria o garoto
nem caramujo nem garça...

A cena é de um crime
e aqui estamos nós...
nosso álibi ?
não termos tido voz...

" feliz daquele que, ao meio-dia, se percebe em plena treva, pobre e nu..."

Oz
( julho de 1996 )