segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Entre as colunas do corpo-templo





Enquanto o tempo jorrava, inexorável, ele permanecia andando às cegas, absôrto no seu templo outrora sagrado onde as luzes se apagavam uma a uma.
A cidade há muito fechara as suas portas ao mensageiro que veio de longe, de um tempo onde havia pastores e no deserto havia silêncio, luz e paz.

Élis, seus chamados se perdem no vácuo.
Nas tabernas iluminadas o riso sarcástico de apresentadores sádicos.
Nos palcos iluminados o miasmático aroma de ilusões efêmeras.

Oh, tempo de tenros frutos cadavéricos.
Oh, tempo de sombras abissais.

Ele não reflete mas o seu templo outrora sagrado agora é um mero cabide de penduricalhos e fonte doentia de experiências funestas.

Megalômanos anões hodiernos numa busca infrutífera.

Quando veio a tempestade ácida e os cabelos das mulheres deslizavam pelos bueiros da cidade ensandecida era possível sentir a corrosão em cada abraço e ouvir à distância o ladrar de cães perdidos.

O templo outrora sagrado era agora um antro onde vicejavam a angústia, o ódio e a impotencia...


Oz
27. 02. 2012

" Todas as coisas são lícitas mas nem todas convêm; todas são lícitas mas nem todas edificam. "
Co. 10;23

sábado, 11 de fevereiro de 2012

letra para uma im-possível canção do Renato





Que pode significar esta canção perdida
como cicatrizar esta ferida
na minha rude face.

Como estancar este desejo
o corpo a fenecer, o olhar lampejos
garoto sem amanhãs, mesmo que eu queira.

O que pode significar independência
como interromper esta demência
que em nosso meio nasce
Que pode significar esta canção dorida
menino que então fui numa outra vida
que já não há...

Este corcel a cavalgar rumo ao devir
um barco ao léu
tamanho amar, tamanha dor, nenhum porvir
sonhos de céu...

Ao menos uma vez banhar no Tejo
um corpo frágil em estilhaços
e receber mais um abraço sem vislumbrar
nenhum cortejo.

Um garoto que partiu da casa paterna lendo a canção do carrasco
no olhar sonhos de fortuna e glória
adormeceu e despertou no cadafalso.

Um garoto que entrou pela noite insone e belo
um pequeno Davi, um Da Vinci, Tolstói, Grande Otelo
suaves canções permanecem onde andaram os seus passos.

(... também os vestígios das asas carbonizadas dos seus sonhos ).


Oz
09.02.2012

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

flores loucas




De repente, te tornastes um caçador de vagalumes numa longa noite prenhe de ruídos fantasmais.
Teus pés te conduzem a estranhos caminhos.
Adentras, autômato, tabernas incendiadas e casamatas em ruínas.
Estás condenado a solidão de eras abissais.

Mas você resiste!

Num beco próximo um bluesman sussura:

O troço é tão estranho
a vida é um tal marasmo
quando não somos ermos
somos asnos.
O troço é tão estranho
a vida é um treco louco
ou somos multidão
ou somos poucos.
O troço é tão estranho
eu nunca saco nada
me sinto um severino
na embaixada.

De repente, como disse aquele cara do Los Angeles Times, tu percebes que há um morcego vivo preso por um barbante na tua árvore de natal...

De repente..
No estio teu coração germina
e surgem flores loucas na tua face
tua lembrança é o teu baluarte
teu sentir é um mosaico rupestre...

Oz
07.02.2012