sábado, 30 de novembro de 2019

Rio, novembro de 2019


É novembro. Por razões que não vêm ao caso, este pequeno relato é uma tentativa de manter viva (pelo menos por um tempo) na memória dos protagonistas do mesmo, tudo (ou quase) o que ocorreu durante a viagem.
Os fatos sem (muitos) "cacos".
Na primeira etapa de viagem, GYN/ BSB, Salamano cismou que, junto com eles vinha também no ônibus a mãe das latrinas do hemisfério sul e isso ele notou logo que pisou no ônibus. Raymond não percebeu, sentiu nada e chegou até a achar que estava com problemas no olfato. Três horas e meia rodando por uma rodovia muito boa, duplicada, etc e tal. Pequenas cidades tristonhas incrustadas no Planalto Central. Numa certa altura, Raymond sentiu vontade de ir ao banheiro e só ali percebeu o que notara o Salamano desde o início; um banheiro imundo, sem água, e que parecia estar descolado da estrutura restante do veículo. Ele caiu fora dali rapidamente com medo de que, junto com o banheiro, ficasse pelo caminho. No mais, sem sobressaltos. Ceilândia, pequena parada. Raymond fuma um cigarro, (sabe que precisava parar); logo depois, Taguatinga.
Durante a viagem, Raymond comentava também sobre uma espécie de sentimento (que parecia comum entre ambos) que se referia a estar de passagem por um pequena cidade, aldeia ou mesmo um posto de gasolina no meio do nada e, ao ver ali pessoas nos seus afazeres habituais, a gente se sentir tomado por uma espécie de solidariedade ou coisa assim; ver alguém que entra por um pequeno beco, um menino soltando uma pipa num campinho de terra  ou um senhor que arrasta pelo cabresto  um burro teimoso ladeira abaixo, essas visões, enquanto você passa parecem lhe dizer:
--- Ei, você vai, mas também deixa um pouco de ti aqui conosco. Você vai e leva um pouco de nós, certamente. Talvez ainda não saiba, mas ninguém passa impunemente por onde houver um semelhante seu...
Isso o Salamano e o Raymond comentavam enquanto o ônibus rodava no asfalto e a latrina matrona do mundo que se escondia em algum canto embalava os passageiros sonolentos que partilhavam com eles os confortos da Vitaperuna de apenas 2 eixos.
E o Salamano dizia também ao Raymond que o seu tradicionalismo fora a causa de não explorarem uma catedral decente.
Raymond disse: vamos à forra no retorno.
      
***

Rodoviária de BSB, Centro; uma estrutura melhor, maior, mas com um curioso inconveniente, pombos; falar aqui de uma revoada não dá a real dimensão do problema. Os filhos da puta não davam sossego. Enquanto lanchavam no Bob's tinham que ficar com um olho nos pombos, para não terem os lanches roubados, o outro olho nas mochilas por causa de eventuais gatunos, óbvio, (aproveitando o campo semântico analógico) e aí ficava faltando um terceiro olho pras ninfas que sempre trazem um pouco de graça a esses locais. Findo o lanche, um aplicativo pop para o Aeroporto Internacional JK a 15 minutos de distância.

***

Durante o retorno, Salamano relembrava pequenas estórias, estórias ocorridas na sua infância, na quase adolescência. Certa vez ele e o Mersault, que cresceram juntos como irmãos siameses, decidiram assistir um filme e assim fizeram, Mersault no guichê:
--- Quanto é o ingresso?
Atendente:
--- 1 real.
Mersault ;
--- Eu tenho carteirinha de estudante.
Atendente:
--- Sei, meu filho, mas já cobramos aqui um preço promocional, simbólico, por isso o preço é único, 1 real. 
Mersault, como num mantra:
--- mas eu tenho carteirinha de estudante.
A atendente diz então:
--- Espere alguns minutos, vou falar com meu chefe.
Passados alguns minutos ela retorna:
--- tudo bem, você vai pagar só a metade.
Então Mersault mete a mão no bolso da calça. saca 5 reais e entrega à atendente.  Durante todo esse tempo, Salamano, que permanecera de pé ao lado dele, em silêncio, começa a entender...

***

De outra feita, na época jogavam basquete num dos clubes tradicionais da capital, o treinador resolve fazer um "sorteio", dar uns pares de tênis aos menos "favorecidos" do time, e aí reúne todos na quadra e, de modo teatral, anuncia os 5 "sorteados", cartas marcadas, uma vez que de desfavorecidos não tinham nada. Então pergunta, pra legitimar a coisa:
--- Alguém contra?
Silêncio total, apesar da perplexidade do sorteio. Então uma mãozinha se ergue. Todos olham. O treinador, surpreso, diz:
--- Pode falar, Mersault.
E este desfia um discurso contrário a escolha dos sorteados pois estes não precisavam, havia gente ali mais pobre..., e assim por diante. Poderíamos dizer que uma pequena semente do Socialismo caíra no solo fértil daquele pequeno quintal. O treinador ouviu tudo aquilo a contragosto. Mas não mudou de ideia, dando o caso por encerrado. Salamano que se afastara um pouco, constrangido, não sabia ainda que tudo aquilo era apenas o começo.

quarta-feira, 30 de outubro de 2019

de Têmis

Se a vires 
Sem eira 
Altiva 
Flor no arrebalde 
Não cheira!
Pode ser uma fraude!!

sexta-feira, 11 de outubro de 2019

*

Estranhos são os caminhos noturnos do homem. Quando eu, sonâmbulo, passava por quartos de pedra e em cada um ardia,tranquila, uma candeia, um candeeiro de cobre, e quando, cheio de frio, caí na cama, lá estava de novo à cabeceira a sombra negra da forasteira, e em silêncio escondi o rosto nas mãos lentas.

                               G.T.

quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Etzel
     
      Na sua busca Etzel se tornou o dia e a noite, a tempestade e a calmaria, as alturas do sono e as funduras do negro despertar.
      Ele busca a lâmpada que se perdeu na noite incipiente e com ela pretende rasgar a cortina que se instalou entre a sua fome primária e o seu alimento de pedra.
      Primogênito da obsessão e do caos, em seu coração insone a tempestade formou ninho.
      No outono seus olhos se enchem de lágrimas negras, mesmo assim, ele avança com seus sapatos de aço e sob os seus tacões brotam águas pestilenciais.
      Ele é o semeador e dos teus lábios brotam frutos pantanosos.
      Etzel quisera  ser de pedra mas o teu coração é árvore e neve e imensidão.
     Ah, Etzel! Quão triste é o teu caminho e pesado o teu fardo!

quarta-feira, 28 de agosto de 2019

Por hoje...

Hoje serei um orangotango...
Hoje eu desisti de ser humano.

sábado, 10 de agosto de 2019

No parapeito

Há alguém de pé no parapeito
Alguém que talvez tenha o coração desfeito
Que talvez esteja à espera de uma mão.



Ao redor, seres cambaleantes


 
Vivenciando pesadelos flutuantes 


Pisoteando o arbusto da razão.


Há alguém à beira de um abismo 


Alguém à espera de um sorriso 


Alguém que está fitando a escuridão.


Alguém está numa espiral de medo 


Alguém cuja existência é um segredo 


No parapeito um pedido de atenção.


Oz
06.05.2011

sábado, 3 de agosto de 2019

A propósito de um instantâneo

(há um quarto de século)

      Há 25 anos, para ser mais exato, em fevereiro  de 1994, uma Kodak qualquer eternizava um momento etilicamente sublime. Naquele verão as macieiras lá no sul da Califórnia se encontravam em plena floração, as renas pastavam tranquilamente nos platôs andinos e cá, por estas plagas, três jovens integrantes da plebe rude, porém não conformada, tomava vinha barato e comia frango assado num apartamento  2/4 situado no planalto central. Há  25 anos.
      A gente pensa que o passado ficou para trás, mas não! Um passo em falso, um gesto desmedido, um movimento fora da cadência e somos inexoravelmente empurrados para o passado...
      É um belo retorno.
      Quase sempre. 
      ou seria sempre quase?
      Neste caso específico, creio que haverá divergência de opiniões.
      Mas, como dizia, naquela época ninguém precisava ser um sommelier, discípulo de Baco ou coisa parecida para saber apreciar um bom Sangue de Boi que vinha nuns singelos garrafões de cinco litros. O frango, que chegara ao apê após um boa meia duzia de tombos no asfalto molhado (chovia) foi destrinchado, estraçalhado, comido, acompanhado com generosas taças do tal vinho.(taças não, na verdade, copos americanos) e, naquele momento, aposto que até os melhores caviares do Cáucaso sentiram um pontinha de inveja por ver um simples galináceo ser devorado de modo tão régio.
      Naquele tempo esses três caras da plebe se embrenhavam também no vasto e intrincado universo literário,  e F. Pessoa, F. Sabino, (para ficarmos apenas em dois Fernandos), Lygia Fagundes Telles com Verde Lagarto Amarelo, Clarice Lispector com Macabéa, Drummond, Quintana, Manuel Bandeira, Ana Cristina César com Aos Seus Pés, isso sem falar em Kerouac com On The Road, Kafka com Metamorfose, Camus com o Estrangeiro, enfim, todos esses caras eram companhias permanentes de uma maneira deliciosamente aleatória. 
      Um dia, um desses três caras foi ao Homero, pegou Ilíada e, com a determinação de um toureiro que vai pra arena sabendo que o touro é bravo, leu-a, devolveu-a à estante, virou e disse: --- pra mim basta! estou nutrido de literatura pelos próximos três séculos, amém...


      Mas devem estar se perguntando: 
     --- mas, cadê a porra da foto?


      Pois é, a foto. Acontece que este escriba que vos remete estas mal traçadas linhas permanece numa dúvida atroz. Enviar este instantâneo para o tal The Intercept para que este hoje tão famigerado órgão possa avaliar a conveniência de sua publicação ou não!
      A autenticidade do registro será questionada, indubitavelmente; de qualquer modo, é como eu sempre digo, o quê nos tempos hodiernos não foi ainda questionado, "aparpado", bulido???
      O tempo das certezas já passou...


      Já posso até imaginar a legenda abaixo da foto, Joyceanamente escrita: 
      "RETRATO DE UM MAGISTRADO QUANDO JOVEM"

      pois é, meus amigos, imaginem a situação... rssss


      Um grande abraço e até breve!!


      Oz.
      02.08. 2019



     

sexta-feira, 2 de agosto de 2019

Hair

E, para alguém que ria do meu pequeno, mirrado, insignificante exército capilar, eu disse:
   Que estes filhos da puta permaneçam em seus postos, os que ainda não desertaram.
..
Oz.

quinta-feira, 11 de julho de 2019

Cof cof cof

Somos a horda
À beira do fogo.
Os hunos somos nós!!!
Sei -me de fato
A faca cega
o relógio quebrado.

Hi

Amigo,
Nunca teve a impressão de que vives uma vida entre [    ] , sentimentos entre  (    ) , numa fortaleza com portões sem {    } ?? . Uma vida simbólica e monoliticamente  matemática e melancólica; uma vida-pipa enroscada num galho qualquer ???

segunda-feira, 10 de junho de 2019

friday, june 07,2019





Há quem diz que, na vida, há recomeços
gente que mente.
Acho que a vida é uma constante
contínua
Às vezes, trepidante
com ou sem  tropeços.

Até que ela chegue...
"a indesejada das gentes.."***

Há quem diz que a vida é uma tortura
Não é !!!
É também delícias, triunfos, ternura...

Até tentei recomeçar
até tive a ilusão de conseguir
meu bem-estar, minha lombra
esta ilusão me levou até o vão da minha própria sombra
e chorei
e sorri
acho até que nunca estive aqui.

Num certo momento pensei:
não vou mais recomeçar
vou prosseguir daqui !!!
aí me vi numa contradição : se não há recomeços, também não há possibilidades
de perdão
então, por que se arrepender ??

Há quem diz que a vida é passageira
Acho que é eterna & dura um segundo
você mergulha, com ou sem balão de oxigênio,
e, asno ou gênio, chegará ao fundo..

Nesta meteórica trajetória, melhor será, talvez, não resistir
não desistir
e, quando chegar a minha vez
o que faço então ?!
a caverna é escura & só tem uma porta
vou rascunhar, em vãos de lucidez
pensares tortos
em horas mortas.


*** M. Bandeira.

Oz
07.10.2019
00:43 h

sábado, 11 de maio de 2019

lembrares




Há uns anos alguém me dizia que eu era por demais melodramático, na época achei que o comentário era uma afronta á minha masculinidade e reagi abruptamente, hoje penso que o colega tinha razão na sua afirmação. Tenho mesmo uma espécie de queda, uma predisposição ao melodrama, seja isto que diabo for...




Assistindo a filmes de cowboy, pateticamente sigo cavalo e cavaleiro rumo ao seu destino frio e inexorável torcendo as mãos e as rédeas do cavalo sem querer saber que isto é inútil.




Penso no Durelli e no pragmatismo silencioso dos seus atos, na sua humannidade calculada, na sua figura apolínea. Sei-o amigo e farol pra muitas das decisões que tomo no cotidiano.


Penso no W.H cuja generosidade e inteligência são diretas, quase ferinas. O garoto é de uma autosuficiência gritante. Descendente distante de navegadores vikings, guarda consigo muitos dos traços daqueles.




sexta-feira, 26 de abril de 2019

Catia Fish ( cont. ) 2




(...)
e os pulsos de Catia tingiram de vermelho
o cinza da manhã
a polpa da romã
o verde do divã
a sombra no espelho
que sussurrava: Catia
(...)
Na verdade, Catia
tuas atitudes
todas as tuas falas
teu sentimentalismo
teus tiques e tal
estavam previstos
eram combinados
era o teu papel
num roteiro fatal

E é tudo tão normal...

( Antigos moradores do bairro dizem que a A COVIL nunca mais abriu as portas; dizem que nas madrugadas de abril se ouve, lá onde agora é um imenso galpão abandonado, umas músicas numa voz estranha, aquarela, mulheres de Atenas, entre outras...dizem que elas vem numa voz de peixe...)


Oz
madrugada de 21 de Abril de 2019








Catia Fish. (cont. ) 1


(...)
Na terceira noite
num final de abril
um frio congelante
e todos de porre
um show tão perverso
um ingresso tão caro 
a plateia que dorme
enquanto você morre.

E é tudo tão lindo
é tudo tão nobre
é tudo tão humano
e a plateia que dorme
enquanto cai o pano.

foi na terceira noite
assim é que é a vida
a Catia foi currada
a Catia foi comida.

E ela não  esquece 
seu peixinho amarelo
que foi subtraído
por sua amiga Cida

Mas,,,onde andará Cida ?!

Catia voltou a ir às missas no Campo de Marte...

Quando deu sexta-feira
Catia não dançou
Catia não cantou
e deu sexta-feira
e não comeram Catia,

e o sábado veio
e a A COVIL lotada
a alcatéia à espera
e nada de Catia,

e o domingo veio
a turba impaciente
e o palco vazio 
vazia a alcova
e todos sem recreio
o brinquedo não veio.

E, na segunda-feira despediram Catia
sem aviso prévio.







pequena canção singela para Cátia Fish.





Ei Catia,  

se você encontrar na noite opulenta
tachinhas de cobre sobre o seu colchão
não peça socorro !
não chame a gerente !
não vista a sua roupa ! 
não se assuste não !

E, se você for, quando interrogada, instada a dizer que havia um plano

para te ferir
negue tudo Catia
esconda as feridas
vista a sua roupa
e fuja dali !

(...) assim, um dia Catia acabou tomando um ônibus para Paris

Cida trazendo consigo um balaio de sonhos inúteis, estéreis...

Na primeira noite Catia viu as luzes dos outdoors

da sua janela no Hotel Langlois

Catia até se esqueceu que viera com cida

que descera com Cida
mas,,, onde estava Cida ?!

Ficou combinado:

De sexta aos domingos
Catia era a rainha  
numa casa de Shows
chamada O COVIL.
Ao subir no palco na primeira noite
Catia não sabia que logo haveria
lobos por ali.

e Catia cantou baixinho, a Aquarela

e Catia dançou ao som dos tambores
e , ao som dos aplausos, ela chora e sorri
e logo acreditou na sua boa estrela
e quis que o peixinho estivesse ali...

( ah, não falei do peixinho..)


Numa manhã de abril, depois de uma tempestade Catia encontrou à porta do seu quarto

um pequeno aquário com um peixe amarelo
Catia amou aquilo e chora e sorri
e ela pensou :
porque eu não sou este peixinho amarelo ?!
A partir dali Catia passou a trabalhar depressa
com estivadores, juízes, papais
ela só pensava em retornar ao seu quarto
e conversar longamente com o seu peixinho amarelo.

O que eles conversaram ?!

nunca se soube ao certo..

(...)


Não chore não, Catia

é parte do roteiro
é uma função da arte.

Numa manhã de março, às vésperas de abril

uns sinos dobravam à distancia, no campo de Marte
e isso a Catia ouviu
naquela manhã ela buscou o confessionário.

O que ela confessou ?!

também nunca se soube..

Numa certa manhã alguém bateu á porta e quando Catia abriu

viu que era a sua amiga Cida.
A Cida apareceu
O Sena abraça o aquário
A Cida acena ao peixe
O peixe olha e ri...

***pequeno diálogo.

Cida : adorei o seu peixe amarelo
Catia: meu peixinho amarelo é a minha vida; é o meu amor..
Cida: Tome cuidado minha querida amiga, não se apegue tanto a algo que desliza
isso pode te causar muita dor...
e deslizava suavemente as mãos no rosto da amiga enternecida..

Catia não entendeu, mas estava feliz...naquela noite, após planos de sonhos e conquistas, como dois anjos barrocos, elas dividiram o vinho e o leito até que a voz incandescente do peixinho amarelo as despertou.


Oh, Catia não chores 

pois a manhã já vem

Catia é pertencente à linhagem de fêmeas, que, ao longo dos séculos, não se deixam domar

Catia jamais seria uma mulher de Atenas..
o que ela sempre quis foi se deixar amar.

É tão triste, Catia

é até de dar pena
mas é parte do roteiro
fundamental pra cena.

Na segunda noite

Catia bebeu vinho
Catia ouviu Strauss
Catia comeu pizza.

Ei, Catia, chore não mulher

isso vai borrar tua maquiagem
se está com saudade, se você quiser
posso devolver a tua passagem..

mas aqui é tão lindo, Catia

precisa de ver...

(...)


Numa manhã cinzenta e fria de dezembro

ao chegar ao quarto ela não encontrou 
o peixinho amarelo
nem aquário, nem nada.
Cátia ficou doente e  Hades consultou 
pela primeira vez.
Cátia pôs cartazes nos postes da rua
nos muros do castelo
na porta da igreja
mas ninguém sabia
ninguém tinha visto o peixinho amarelo.
o tempo passou 
a folhinha mostrava meados de abril
e ela buscou a paz, o consolo
nos palcos d'A COVIL

mas nada adiantou...













quarta-feira, 24 de abril de 2019

Fragmentos perdidos ( ou quase )



      Eu gostaria que, aqui na casa, houvesse um dia tão silencioso que cada morador, cada ser humano, cada um de nós pudesse ouvir e sentir o voo das muriçocas, das moscas e dos garfos, o riso das lagartixas de parede (aquelas branquinhas das quais tem medo, oh, criatura) e mais, a verdade oculta no falatório constante com o qual tentamos justificar atitudes, e gestos e pensares um tanto "conhecidos".
      Queria que tal silêncio fosse tão profundo quanto o olhar daquele garoto que te observava  enquanto  lanchavas no Smilinguido. Nesse momento, nesse dia, nesse dia que pareceria eterno, (é certo), a casa "pareceria" tão leve, tão límpida, tão transparente, que levitaria, chamado a atenção dos transeuntes, por mais apressados que estivessem. Nesse dia ninguém faria café, nem almoço, nem jantar, todos estariam ocupados fazendo um imensa fogueira lá fora em redor da qual dançariam durante toda a noite. Tudo o mais pareceria (e seria) supérfluo, distante, vulgar, perto do estado de beatitude alcançado.
       É verdade que muitos fugiriam se achando loucos, outros se beliscariam acreditando estarem sonhando, mas alguns aproveitariam a oportunidade para conhecer seus outros Eus, dialogar com o próximo e abraçar deus;  tudo isso sem uma única palavra: elas seriam desnecessárias. Tudo seria dito no silêncio do riso, do olhar e do corpo.
        Enquanto isso, eu, na minha ingênua e pretensiosa esperança, penetraria sutilmente pelas frestas dos teus olhares, buscando aí um pouco de mim, do meu medo que não é escada, da minha morte que ainda não é ponte e da minha utopia que ainda respira.



                                                                                           

Oz
CEU 3 . 
28.02.96



sexta-feira, 29 de março de 2019

de ontem, hoje e outros momentos..


Hoje vai ser tudo diferente
hoje vou contar toda a verdade
mesmo que a faca roçe as minhas costas
não furtarei ao abraço oferecido
à luz do sol ou num beco em horas mortas...
Hoje vai ser tudo diferente
hoje serei o Barrabráz de toda a gente.
Que eu margeie a tumba sem temer
que eu beije leve a mão que me assassina
e enxugue as lágrimas do irmão que me condena
não negarei o que tiver pra oferecer.
Não vou agora caminhar este caminho
não vou agora vestir essa fantasia
não vou agora esperar a minha hora
não vou agora atravessar por esta via
 pois desde há muito esperei inutilmente
o espocar de uma vida tão vazia.


(...) 


Ontem, olhando um quadro na parede


vi três caras entre si conectados
pelo acaso de dias de outros tempos
pela graça de outras horas no passado
e também a geometria de outros elementos...
Como escudo, a incerteza da memoria
de um reino tão leal, e tão distante...
e tanto tempo se passou... e foi agora
deste  reino tão feroz, somos infantes !!!!
Dom Quixote, Sancho Pança ou Eloim
cavaleiros pelejando contra o vento
num outro reino, sem brasões
sem nada, enfim...


(,,,) 



Amigos de outras eras



tempos de bonança
tempos abissais


o templo flui
Quando os teus passos ressoarem na noite silenciosa
agora silenciosos, antes lépidos
quando a tua mente vagar
nas fendas enferrujadas das paredes do teu paläcio 
quando os cães te receberem alegremente
como só   os cães sabem fazer, talvez seja a hora de olhar 
se o fosso está a sua frente ou ficou pra traz...
x

sábado, 16 de março de 2019

É tanto traste...

Pra carregar tanto traste
preciso de mais um saco
meu saco ficou pequeno.

Engenho de pás vazias
mente má, destilaria
ideal pros meus venenos

(...)

Pra  carregar tanto medo
preciso de um arcabouço
de coragem
e de segredos...
preciso acordar mais cedo
rezar 3 ave-marias...
preciso de tanto traste Para não ser engolido
pelos donos da valentia
porque eu sou covardia.

Pra carregar tanto amor
preciso de um coração
feito de ferro
e algodão
costurado bem no fundo
de modo a não ferir
as fímbrias de um amor eterno
as fímbrias de um amor pagão.

Pra carregar o meu corpo
preciso de um outro corpo
feito de paz e silêncio;
Este meu, enlouquecido
esquecido nesta esquina
preso naquela vitrine
onde um manequim o olha
nada lhe diz ou namora
apenas estampa o preço
o preço pra se viver
o preço de ter vivido.

por dentro serei deserto
pra carregar tanta sede?!
Por dentro serei o Saara?!
não sei, e pouco me importa
só quero beber agora...
e a Beatriz demora...

Se ninguém em mim repara
se ninguém bate à minha porta
serei peixe, anzol  e rede
sendo o Como ou Kalahari
vou querer estar por perto...
por dentro serei o Como ?
por fora serei deserto ??


(primeira versão)

oz
16.03.2019