sábado, 26 de novembro de 2011

O universo habita em ti

Com atenção você verá que falta algo ao redor
com atenção você terá essa impressão
e se parar para pensar em tudo o que aconteceu
você verá que houve alguém que se lembrou e esqueceu
porque assim achou melhor...

Se os teus sonhos se tornaram um labirinto de ilusões
e as tuas palavras se perderam no vazio
é necessário se armar de catapultas e canções
e é impossível se banhar uma outra vez no mesmo rio.

Com atenção você verá que o caminhar é sempre só
e o horizonte é o teu espelho delirante
com atenção você verá que neste instante
o universo habita em ti e ao teu redor.

Se a tua estrela não brilhou o quanto quis
e os teus desejos definharam sob um véu de escuridão
se os teus passos e o teu destino se tornaram colisão
ainda assim será preciso se lembrar de estar feliz.

Oz

( Um dia de Abril de 2010 )

Mais fragmentos

(... meus trinta verbos soltos
nesta paisagem gris
farão do calabouço
um novo chão de giz,
e deste chão surgindo
paredes de verniz,
de Joana, a meretriz,
a nova imperatriz.
Do ser aprisionado
um novo ser alado,
da sombra do carrasco
um zéfiro de março.
...)

Oz
2006

visto de uma ventana abierta

Um velho trem se afasta lenta e barulhentamente da estação. Um garoto que veste uma túnica puída acena para uma janela de vidraças quebradas.

Um homem segue vagarosamente por entre os trilhos, coberto de fuligem. seus olhos opacos, suas mãos trêmulas, seus cabelos revoltos.

Aqui e ali, vestígios da implacabilidade do tempo.

Uma mulher canta uma canção de ninar enquanto colhe flores de cravo silvestre na beira de um barranco e as coloca num cesto de palha.
Um cavalo esquelético pasta num cercado de arame e é fustigado por um milhão de moscas zumbinantes.
Um cão derruba latões de lixo à cata de alimentos.
Pétreo é o sentimento quando na lembrança ressurge a figura bêbada do pai.

Oz

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Sentença

Caminho ao teu lado
sinistro, invisível
a ti aprisionado.

Espero a chave incerta
o atalho inesperado
espero ouvir meu nome.

Teu corpo desnudado
paira na tarde gris
teu templo proibido.

O meu olhar que quis
pousado nos umbrais
perdido, desnorteado.

Ah! mente que conduz
nos seus vastos impérios
tanto desejo e dor.

Oh! corpo andaluz
de sonhos deletérios
faminto de ar e luz.

2

Persisto ao teu lado
num sótão esquecido
o irmão aprisionado.

Espero a chave incerta
o sol na pele insone
espero ouvir meu nome.

Além, num antigo aquário
um corpo solitário
espera por alguém
e a dança cega e surda
moldura a sombra muda
enlaça a mim também.

Reescreva o teu passado
reabra os teus arquivos
abraçe qualquer crença.

Esteja ao meu lado
esquece o tempo. Vive.
Viver é a sentença.


Oz
Janeiro de 2000

Vagando na noite



1

Na noite fria habita a solidão coletiva. No colo estéril de cimento e aço fenecem os sonhos de mudos indivíduos. Sob marquises metálicas, orfãos ensaiam rituais de êxtase e caos e nos seus olhares opacos relampeja a sombra da loucura.
Herdeiros insensíveis de um medo inenarrável, os transeuntes exercitam a sua cegueira cotidiana.
Inexorável, o destino, pássaro de sete asas, prenuncia com os seus gorjeios uma sinistra primavera aos habitantes da cidade enfurecida.
Na noite fria o senhor da fonte fez recuar as sentinelas das torres da bondade e da misericórdia.
Na noite fria florescem nos trigais espigas cáusticas e sombras taciturnas fazem a colheita corrompida.
2

Uma tempestade se anuncia no horizonte plúmbeo. Um sonho deletério habita o sonho do cobrador de tributos.
Cadàveres putrefatos no fosso que circunda a muralha da fortaleza abandonadda.
Cães famélicos rondam o acampamento.

Um ancião murmura uma oração ao crepúsculo mas todos parecem entorpecidos. Um vento quente faz estremecer as tendas em frangalhos.
Na madrugada tempestuosa um cavaleiro envolto em escuridão e raios atravessa o vale num galope célere e o silêncio permanece adormecido no acampamento.
Na muralha, inscrições riscadas à faca. No solo, respingos de sangue.
Uma mulher soluça enquanto nina uma criança morta.



Oz

Canção para Clarice




Há uma mulher chamada Clarice. Ela irradia o enigma de velhas catedrais. Ela traz consigo vestígios da terra onde pousou o relâmpago. Ela atravessou florestas cerúleas e pântanos miasmáticos.
Clarice adormece sob um celeiro abandonado e, em seus sonhos, cavalga num campo de trigo, percorre pradarias explêndidas e desabitadas. Ao amanhecer Clarice estremece suavemente sob os fios de luz que penetram pelas frestas.

De quando em quando pastores atravessam a planície e ouve-se à distância o balido das ovelhas.
Na primavera Clarice deposita flores amarelas na tumba dos esquecidos e mercenários rondam os arredores da aldeia abandonada.

Clarice, no seu silêncio, é uma enseada oculta na memória.

Observo-a à distância e o meu coração pulsa descompassado.

Quero tomá-la nos braços, capturá-la, mas permaneço quieto, paralisado ante a sua quietude magistral e hipnotizante.
Herdeira de lendas imemoriais, Clarice traz consigo as dores e os sonhos de sete gerações.
Suas mãos diáfanas direcionam o vento, fazem frutificar as árvores e suavizam a tempestade mas Clarice quer dormir um sono eterno.



Oz
Abril de 2010

( Texto escrito para uma moça de um riso tímido..)

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Lembrares...

Alguém disse que somos o amálgama de todas as pessoas com quem nos deparamos e convivemos ao longo da vida. Lembro-me disso e sinto-me às vezes meio confuso ante o ser que vejo em mim. Acho que, apesar de tudo, falhei em tantos pontos que penso que, de modo deliberado, sempre optei por trilhar veredas desaconselháveis...
Não soube absorver aquilo que tanto admirava e admiro em tantos com quem tive a sorte de caminhar até agora.. no máximo, apropriei-me daquilo que definitivamente não me era dado pertencer.

(...)

Lembro de Alan, um jovem baiano de mente inquieta e ágil, um destruidor de ídolos ( por mais que tal imagem possa parecer gasta), o cara parece carregar consigo o fêmur do animal com o qual alguém antes dele combateu enlouquecidamente em outros tempos. Porém agora o combate travado pelo jovem professor nietzschiano é por uma causa bem diversa.

Lembro do Valério M. Cayres (Téti), dileto amigo de fins de adolescência, um molecão que com a sua simpatia e espontaneidade logo conquistava a todos, indistintamente, alguém que todos queriam ter na equipe, fosse qual fosse a disputa. O tempo , o tempo afastou este e tantos outros de mim e de tantos outros e a quem a mão inexorável do destino fez sofrer uma grande perda.

Lembro do Durelli e no pragmatismo silencioso dos seus atos, na sua figura apolínea, na sua humanidade calculada, sei-o amigo e farol para muitas das minhas ações cotidianas. Mantendo-se distante como tem feito talvez evite que diminua a chama de uma amizade que agradeço aos céus...

Há alguns anos alquém disse que eu era por demais melodramático, na época achei aquilo uma afronta e reagi abruptamente. Hoje penso que o colega talvez tivesse razão. Tenho mesmo uma espécie de queda, uma predisposição ao melodrama, seja isto que diabo for..
Assistindo a filmes de cowboy, pateticamente sigo cavalo e cavaleiro rumo ao destino frio e inescapável, torccendo as mãos e as rédeas do cavalo mesmo sabendo ser o gesto inútil.
( Em tempo: também penso que o filme de cowboy é um épico! )

Lado ausente

Sinto falta do meu corpo coberto de ramagens
de minha alma nua de fantasias vazias
de folhas envolventes num abraço cálido
falta de silêncio que o espírito inebria.

Então no mais fundo do coração escondo a infância
para que não fuja das horas presentes
e a imagem que ficou presa na retina
é a seta de saída no labirinto da mente.

Hoje as horas passam em doce melancollia
sonhando com a dança selvagem de "aquárius'
a solitária semente é o fruto da utopia.

E, na eternidade martirizante de um dia
rolam paixões, blues, ventres sem ovários
esculturas profanas entre paredes frias.



( Texto em versos acima escrito em 1981 )


Oz
22.11.2011